Desde o início de abril de 2020, logo após a intensificação das medidas de contenção da pandemia de COVID-19 no Brasil, os empresários dos mais diversos setores se perguntavam:
Qual o impacto desta crise no valor da minha empresa?
Neste artigo irei expor algumas informações relevantes a respeito da teoria e prática de mercado, sem a menor pretensão de dar um ponto final ao assunto, mas contribuir para o conhecimento de alguns e fomentar novas discussões.
Antes de qualquer aprofundamento, vamos fazer uma breve introdução ao assunto:
Qual o propósito do Valuation?
Primeiro, é importante salientar que uma das metodologias mais utilizadas atualmente para avaliação de empresas é o Fluxo de Caixa Descontado – FCD (do inglês: Discounted Cash Flow – DCF). Esta metodologia visa precificar uma empresa a partir dos resultados futuros descontados a uma taxa de risco que equivale ao custo de oportunidade de um investidor/comprador.
Além desta metodologia, outra muito utilizada é a de Múltiplos de Mercado, nesta, faz-se um comparativo entre empresas do mesmo setor, observando a razão do valor negociado pelo resultado operacional que vinha apresentando, ou seja, dividindo-se o valor pago no final da negociação pelo resultado operacional, assim obtém-se um múltiplo de mercado. Aplicando esta lógica a várias empresas, chegamos a um múltiplo comparativo de mercado a ser aplicado em negociações de compra e venda que ainda estão em andamento.
Estas e outras ferramentas de avaliação estão no mercado a pelo menos três décadas e já foram aplicadas em exaustão mundo a fora, o que em parte, garante uma certa credibilidade às suas fundamentações. Entretanto, alguns pontos precisam ser destacados, principalmente para a metodologia do Fluxo de Caixa descontado (FCD);
- seja durante uma crise econômica ou fora dela, durante a construção de uma modelagem financeira, as premissas de projeções geralmente são definidas a quatro mãos, ou seja, pelos sócios e gestores da empresa e pelo analista responsável.
- apesar das projeções, existem certas variáveis de mercado que não podem ser controladas, tais como: câmbio, inflação, crescimento do PIB, entre outras. Isto significa que, ao avaliador, restam apenas as premissas que irão tentar estimar as projeções de fluxos financeiros das empresas apreçadas. Sendo assim, o propósito de um Valuation é definir de forma coerente, lógica e técnica as melhores premissas que irão guiar os fluxos de caixa de uma empresa, passando pelas receitas, impostos, custos, despesas, investimentos, pagamentos de credores, remuneração dos sócios, etc.
“Premissas devem ser questionadas constantemente!”
Como a pandemia pode afetar o meu Valuation?
Esta pergunta foi respondida pelo papa dos Valuations, Aswath Damodaran, para quem não o conhece, Damodaran é professor de Finanças Corporativas e Valuation há mais de trinta anos na Universidade de Nova Iorque (New York Stern University), ele já havia começado a avaliar os danos nos mercados financeiros a partir de 14 de fevereiro de 2020, quando os Estados Unidos e a Europa perceberam que o novo coronavírus não iria se ater apenas à Ásia.
Em suas análises, avaliando mais de 36 mil empresas pelo mundo, comparando os indicadores de performance com outras crises, o professor descobriu que diferente de crises passadas, esta não se tratava de um pânico generalizado que atingiria uma grande escala e derrubaria as ações de todas as empresas do planeta. Pelo contrário, segundo Damodaran, houve uma certa racionalidade no comportamento do mercado. Houve segmentos que se beneficiaram da situação, por exemplo: laboratório de biotecnologia, indústrias farmacêuticas, indústria de materiais de limpeza e de higiene pessoal, mercados varejistas, dentre muitos outros.
As empresas que não foram beneficiadas diretamente pelo novo comportamento do mercado ainda estão tendo que se adaptar às mudanças, buscando meios de fornecer seus produtos de formas diferentes e até trazendo novas soluções a partir da estrutura que dispunham.
Ainda segundo Damodaran, as empresas mais afetadas são aquelas que dependem de uma intensa injeção de capital de terceiros para se alavancar, aquelas que sem um grande investimento inicial os projetos ficam mais lentos ou até mesmo paralisados, este tipo de empresa deve tomar muito mais cuidado no momento de fazer movimentos bruscos de crescimento, evitando o risco de insolvência.
Como os Valuations das empresas devem ser ajustados?
De acordo com Demodaran, os modelos atuais de Fluxo de Caixa Descontados – FCD devem passar por uma série de questionamentos. As perguntas a seguir foram adaptadas à realidade do mercado Brasileiro a partir do artigo: Aswath Damodaran on Valuations amid COVID-19: “Go Back to Basics”, publicada no blog CFA Institute em 29 de maio de 2020.
Confira:
- como o crescimento dos ganhos será afetado em 2020 e quanto desse efeito permanecerá no longo prazo?
- o ano atual será ruim, mas é igualmente importante descobrir quanto será recuperado até 2025 ou 2029?
- como os medos sobre o futuro afetarão o percentual dos ganhos a ser devolvido aos acionistas por meio de dividendos e aos credores honrando o pagamento dos financiamentos?
- de que forma a taxa SELIC e os Títulos do Tesouro Nacional irão afetar os investidores que buscam maior rentabilidade?
- como a aversão ao risco do investidor será afetada pelo medo de novas aquisições?
Como os resultados possíveis para as variáveis acima eram muito divergentes, Damodaran usou simulações de Monte Carlo, em vez de estimativas pontuais, combinadas com seu caso base para produzir uma distribuição geral dos valores possíveis para o Índice S&P 500. Que da mesma forma, podem ser aplicadas para às listadas na B3.
Como as empresas vão se comportar no pós Covid-19?
As empresas mais afetadas pela pandemia, como as do turismo, viagens, comércio direto, serviços, empresas com custo fixo alto e jovens startups, que estavam alavancadas, deverão ser acompanhadas pelo descritivo de suas histórias, conforme afirma Damodaran, o setor em que a empresa está inserida e os setores que dependem dela devem ser avaliados no conjunto, assim, é possível entender melhor como esta empresa irá se sair no futuro, mais forte ou mais fraca? Endividada ou com liquidez? Preparada para uma nova onda de crescimento ou tentando sobreviver?
Deve-se então ponderar os seguintes aspectos:
- como a crise está afetando as vendas e a operação no curto prazo?
- como os concorrentes estão se comportando?
- avaliar os riscos de falhas e ter maior controle sobre quaisquer movimentos.
- estimar qual o período de inadimplência e negociar prazos com credores.
- aproveitar o momento para rever o planejamento estratégico da organização.
- verificar os indicadores de desempenho e tomar decisões a respeito.
Em resumo, as empresas impactadas pela pandemia estão ainda, de acordo com as informações supracitadas, em condições melhores que crises passadas, visto que as ondas de surto da doença afetaram os países em momentos distintos, enquanto alguns estavam declarando quarentena, outros estavam se prevenindo e comprando equipamentos médicos e estes quando perceberam o aumento dos casos, notaram um certo alívio em outras partes do mundo que já haviam sido afetadas.
O Valuation quando bem fundamentado e orientado pelas premissas corretas, consegue sobreviver a cenários caóticos e incertos como o que estamos vivendo.
A arte por trás das estimativas de valor está na história que será contada a partir dos números realizados e das aferições que caso se apresentem inconsistentes, podem ser alteradas para seguir as novas tendências mercadológicas.