Introdução
Nos últimos 10 anos trabalhando intensamente junto às Pequenas e Médias Empresas (PMEs) e participando de inúmeras rodadas de investimentos junto a diversos fundos de Venture Capital, aprendemos uma série de lições. Uma delas é que as PMEs brasileiras nunca estiveram tanto no radar dos investidores como hoje. A segunda é que o framework utilizado para escolha de bons projetos não é tão diferente, salvo algumas particularidades, do utilizado pelos grandes fundos, especialmente os de Private Equity na captura de boas oportunidades.
Assim, neste artigo trazemos um overview sobre o que define um bom negócio segundo a Blackstone, uma das maiores gestoras de Private Equity do mundo.
Sobre a Blackstone Group
A Blackstone é uma renomada gestora de ativos alternativos, operando fundos de private equity, real estate (ativos imobiliários), hedge funds (fundos mútuos), fundos com foco em títulos de crédito e ofertando outros serviços financeiros. Ela foi fundada por Peter G. Peterson e Stephen A. Schwarzman. Tem sedes em diversas cidades no mundo, como Londres, New York, Hamburgo, Paris e Hong Kong.
Os investimentos da Blackstone abrangem uma variedade de indústrias (do setor de energia ao de tecnologia) ao redor do mundo, sempre buscando aportar capital em negócios estabelecidos e voltados para o crescimento. A gestora fornece mais do que somente capital, busca também auxiliar as empresas nas suas estratégias e gestão.
Em ativos sob gestão a empresa tem aproximadamente US$ 880 bilhões, sendo uma das maiores investidoras em real estate e hedge funds do mundo, além de líder mundial em capital destinado para private equity.
As cartas anuais do Chairman (Annual Chairman’s Letter) e as apresentações corporativas da companhia trazem conteúdo muito útil para aprender sobre investimentos do mais alto nível e a forma de pensar dos diretores desta renomada empresa.
Em uma dessas apresentações corporativas – Blackstone Investor Day de 2018 (é possível assistir toda apresentação, de aproximadamente 3hrs, no YouTube) a companhia mostrou o que eles acreditam ser as características que definem um bom negócio.
Mas afinal, o que define um negócio verdadeiramente interessante?
Negócios com forte/rápido crescimento:
Normalmente, o crescimento ocorre com a conquista de market share (participação de mercado) e consistência ou aumento demográfico no segmento de público que o negócio tenta atingir. Empresas que conquistaram rapidamente market share e crescimento consistente do faturamento nos últimos 10 anos, exemplo: Alphabet Inc. (holding que detém a Google), mostraram-se bons investimentos.
Negócios com necessidade limitada de capital:
São negócios que não necessitam de capital intensivo para crescerem, apresentando baixo capex em suas demonstrações. Por exemplo, companhias de mineração requerem muito reinvestimento para potencializar sua produção. Em contrapartida, empresas como o Facebook, Google e Yahoo não precisam de grande capital para manterem suas operações e aumentarem suas receitas.
Empresas que atraem talentos:
De fato, esta é uma característica muito relevante. Companhias com ótima qualidade de recursos humanos tendem a serem mais resilientes, inovadoras e organizadas. A AB Inbev é um bom exemplo de organização especialista em capturar ótimos jovens profissionais em seus programas de trainee (hoje, um dos mais cobiçados do país) e ter um ambiente e uma cultura fortemente meritocrática e de desenvolvimento do colaborador, cobiçada pelos profissionais mundo afora.
Empresas que produzem margens altas:
Companhias com margens altas, geralmente, possuem vantagens competitivas. Quando se observa de forma comparativa demonstrações financeiras entre companhias de mesmo setor, nota-se que aquelas com diferenciais competitivos têm margens mais elevadas e significativas. A força do branding, em conjunto com a qualidade operacional e de design, foram vantagens competitivas que permitiram, por muito tempo, que os devices da Apple exibissem margens bruta e líquida maiores que as dos concorrentes. Ademais, margens altas proporcionam também maior margem de segurança para a empresa e para o investidor, pois a companhia fica mais distante de operar com prejuízo e tende a apresentar mais resiliência para passar pelos períodos de crise.
Companhias com receitas recorrentes:
A recorrência de receitas torna a empresa mais previsível, possibilita que a gestão foque mais no planejamento estratégico de longo prazo e não em como honrará suas obrigações no curto prazo. Para os investidores, facilita no momento de calcular o valor intrínseco do negócio através do valuation. A Energias do Brasil, por exemplo, é um caso de receitas previsíveis, tornando-a um negócio mais estável tanto para a gestão quanto para o investidor.
Companhias com boa geração de caixa:
A geração de caixa permite a criação de valor ao acionista e maior segurança financeira para empresa. Caixas robustos são um colchão para a companhia usar em momentos de crise econômica, muitas vezes para adquirir concorrentes. Neste quesito, a Eztec é um ótimo exemplo entre as construtoras e incorporadoras. Sua geração de caixa permitiu que ela passasse de uma forma mais confortável a forte crise que atingiu o setor nos anos de 2015/2016/2017.
Empresas com consumidores/clientes leais:
Loyal customers fazem publicidade dos produtos da empresa por meio do boca a boca, e não há marketing mais efetivo e barato do que este. Além disso, possibilitam que a companhia venda bens com margens maiores que as concorrentes e tenha o cliente mais tempo em sua base de compradores. Nesse aspecto, novamente, vale destacar a Apple, haja vista a empresa ter uma clientela fiel na compra de seus lançamentos, mesmo a preços bem superiores que as concorrentes (tal fenômeno já diminuiu bastante, entretanto ainda é observável).
Empresas com franquia global:
Este ponto pode ser entendido como presença global da empresa. Companhias presentes em vários países têm ganho de escala, conseguem capturar vantagens no fornecimento de insumos e, muitas vezes, trabalhar de forma mais eficiente custos e despesas operacionais. Ademais, elas se tornam mais sólidas e resilientes a crises econômicas. O ganho de escala da AB Inbev, por exemplo, dá a ela um variado leque de fornecedores, situação que cria um poder de barganha da empresa de bebidas perante os fornecedores.
Negócios com fosso competitivo:
O fosso nada mais é que a vantagem competitiva. Tais vantagens permitem maiores margens (rentabilidade também) e a permanência da companhia como líder, ou uma das líderes, do setor. A Coca-Cola conserva uma interessante vantagem competitiva, sua fórmula secreta do xarope que atrai a grande massa dos consumidores de refrigerantes.
Negócios com marca forte:
O branding forte pode ser uma vantagem competitiva. Ele pode transmitir um estilo de vida, uma identidade almejada pelo consumidor, garantindo, por vezes, fidelização e um faturamento potencial maior no longo prazo. A Harley Davidson é um dos grandes casos de sucesso neste quesito, transmitindo experiências e identidade para seus consumidores ao ponto de instigar muitos deles a tatuarem a logomarca da empresa nos próprios corpos.
Conclusão
Os requisitos acima apresentados pela Blackstone fazem parte dos pontos observados pela Rumo Negócios em uma análise de empresas, bem como para orientá-las a serem melhores. Em conjunto com outras verificações sobre uma empresa, tornam-se um checklist interessante para entender o nível de quality da companhia e de seu respectivo negócio.
E apresentações corporativas, bem como relatórios e cartas anuais deste tipo de negócio – serviços de asset e fundos de investimentos – são muito úteis para aprender mais sobre investimentos, adquirir raciocínio econômico-financeiro e entender onde os grandes players de gestão de ativos estão alocando o seu capital.
Glossário
- Private Equity: termo em inglês que se refere a um tipo de investimento realizado por instituições que aplicam seus recursos em empresas com o capital pouco diluído, que não estão listadas em bolsa de valores, que permitam um certo controle acionário e nas quais há possibilidade de os investidores participarem da administração das empresas. Estes investimentos são realizados através de fundos de investimentos em private equity, que gerenciam o capital e buscam oportunidades nos mais variados setores da atividade econômica. Diferença entre Venture Capital e Private Equity: a primeira expressão é geralmente usada quando o investimento é feito em empresas mais novas, que se encontram em estágios menos desenvolvidos; já a segunda é empregada para se referir a investimentos em empresas mais amadurecidas e de maior porte.
- Stephen A. Schwarzman: é presidente, CEO e co-fundador da Blackstone, uma das principais empresas de investimento do mundo. O Sr. Schwarzman esteve envolvido em todas as fases do desenvolvimento da Blackstone desde sua fundação em 1985.
- Capex: termo em inglês que significa Capital Expenditure, ou seja, a quantidade de recursos financeiros alocados para a compra de bens de capital de uma determinada companhia. Este tipo de recurso serve para manter ou até expandir o escopo (abrangência) da operação de uma empresa. Ex: gastos com a construção de uma nova fábrica, ou aquisições de frotas de veículos. Empresas intensivas em gasto de capital geram impactos significativos na geração de valor para os acionistas. Companhias pertencentes ao setor de siderurgia precisam alocar grandes montantes de sua geração de caixa operacional para apenas manter o processo de fabricação do aço funcionando plenamente.
- Asset Management: significa gestão de recursos. É a prática de gerir recursos de terceiros por bancos ou instituições especializadas nesta função. Estas empresas buscam gerir os recursos com o objetivo de maximizar a relação de risco x retorno de seus clientes.
Disclaimer
As informações, opiniões e sugestões encontradas neste documento apresentam o objetivo de somente informar e aconselhar. O retorno e o risco associado da tomada de decisão de investimento ou desinvestimento a partir das informações e sugestões, são de exclusiva responsabilidade do leitor.
Sobre o autor
O presente resumo foi desenvolvido por Marcus Vinicius de Lima. Marcus é formado em Ciências Contábeis pela UFPR, Direito pela Unicuritiba e atualmente cursando MBA em Contabilidade e Finanças na UFPR. Tem certificado CNPI pela APIMEC e know how de Valuation pelo método de Múltiplos, DCF e Modelo de Gordon. Atuou como Equity Research Analyst de ações e fundos imobiliários por 4 anos, em parte na Real Investor Gestão de Recursos, cobrindo/analisando setores como Telecom, Seguros, Logística e Varejo. Atualmente integra a equipe da RUMO NEGÓCIOS, realiza gestão de patrimônio familiar e de terceiros com foco em ações e FIIs.