O desafiador mundo das fusões e aquisições (M&A) está, empiricamente, ligado aos riscos inerentes à esse tipo de movimento, devendo tanto o lado comprador, quanto o lado vendedor buscar alternativas viáveis e transparentes, afim de evitar erros irreversíveis que podem se converter no fracasso da transação.
A estratégia empregada na mesa de negociação em um processo de M&A deve incluir uma análise cuidadosa das reivindicações da contraparte, usando como base alguns cases de erros e acertos de alguns deals que já ocorreram.
O estudo de caso a seguir retrata a “guerra dos lances”, que ocorreu entre a rede hoteleira Marriott International e o Anbang Insurance Group, publicada em um artigo do The Wall Street Journal por Craig Karmin, Dana Mattioli e Rick Carew e que traz lições importantes sobre transparência e os riscos inerentes ao sigilo e à confidencialidade nos processos de M&A.
O vendedor – Sell-Side
Starwood Hotels and Resorts Worldwide, proprietária e operadora da Westin, Sheraton, W Hotels, entre outras marcas da cadeia de hotelaria, revelou ao mercado que estava à venda.
Os compradores – Buy-Side
Anbang Insurance Group é uma empresa chinesa relativamente jovem, oriunda de uma mistura pouco convencional de acionistas corporativos e holdings registradas na China.
Marriott International, Inc. é uma empresa norte americana, fundada em 1927 no Estado de Washington/DC, com sede em Bethesda, Maryland, EUA e dona de um conglomerado de hotéis de luxo espalhados por todo o mundo.
As negociações
Sabendo das intenções da venda da Starwood o grupo chinês Anbang logo iniciou as tratativas para aquisição da Companhia. No entanto, por não conhecer o comprador e seus reais objetivos, nas tratativas iniciais o vendedor se mostrava cético quanto à capacidade da Anbang de garantir financiamento para a aquisição. De acordo com o Wall Street Journal, a empresa Chinesa estava comprando diversas seguradoras e redes de hotéis em vários países pelo mundo, porém, suas fontes de recursos ainda não eram muito claras.
Durante as rodadas de negociação o presidente da Anbang, Wu Xiaohui, propôs inúmeras opções como parte da estratégia de M&A da companhia, recuando temporariamente quando a Starwood apontou que não daria sequência às negociações até que a Anbang apresentasse as garantias e planos de financiamento para a consolidação da aquisição. Naquele mesmo mês a Starwood aceitou uma oferta de US$ 12,2 bilhões da estadunidense Marriott, que trazia em sua proposta os níveis de transparência esperados por eles, envolvendo tanto os ganhos de sinergia, como nas questões de financiamento. O êxito deste acordo criaria a maior empresa hoteleira do mundo.
Duas semanas antes da assembleia, quando os acionistas deliberariam sobre a proposta da Marriott, a chinesa Anbang, de maneira inesperada, voltou à mesa de negociações, agora apresentando uma oferta agressiva, oferecendo US$ 76 por ação, pago à vista e em dinheiro.
Surpreso com o retorno da empresa chinesa o CEO da Starwood, Thomas Mangas, comentou com seus colegas da Marriott:
“Nossos amigos na China ressurgiram”.
Ainda desconfiados, dada a falta de transparência quanto as fontes de recurso, os gestores da Starwood, que ainda vislumbravam uma estratégia de M&A mais conservadora, impuseram à Anbang que ela deveria melhorar sua oferta, além de fornecer as garantias necessárias quanto sua capacidade de financiamento.
Com objetivo de atender às exigências do vendedor a Anbang então elevou sua oferta para US$ 78 por ação e ofereceu uma carta de crédito do China Construction Bank, mas o vendedor ainda tinha dúvidas quanto aos objetivos da Anbang e o que ela esperava ganhar com a aquisição, seguido da incerteza quanto a questões políticas, relacionadas ao governo chinês, que poderiam interferir no negócio após o aceite. Em conjunto a tudo isso, existia a preocupação dos possíveis impactos frente a negociação, já em andamento, com a Marriott.
Visando sanar tais preocupações a Starwood exigiu uma garantia extraordinária da Anbang, que prontamente apresentou. Conforme relatado pelo Wall Street Journal, o negócio seria fechado pelo preço proposto, ainda que sem a aprovação regulatória chinesa, fato que levou a Starwood a anunciar que estava aceitando a oferta de US$ 13 bilhões da Anbang e suspendendo as negociações com a Marriott.
Neste momento, não satisfeita com a perda do negócio para os chineses, a Marriott então voltou com uma oferta ainda maior, composta por uma fatia considerável do pagamento em dinheiro e outra em ações da Cia, totalizando a cifra de US$ 13,6 bilhões.
Do outro lado a Anbang, vendo seu potencial negócio se desfazer, decidiu aumentar mais uma vez a oferta, elevando seu preço em US$ 81 por ação. Porém, para fechar negócio a Starwood propôs aos chineses que elevassem a oferta para US$ 82,75 por ação, valor que elevava o preço da companhia para US$ 14 bilhões, além de exigir prova de financiamento e a apresentação do aceite regulatório por parte do governo chinês.
A Starwood esperou por três dias até que a Anbang atendesse às suas demandas, foi quando as táticas de negociação de M&A da Anbang mudaram drasticamente e os advogados da companhia revelaram que a empresa estava declinando da transação, abrindo o caminho para que a Marriott concluísse o negócio adquirindo a Stawood, graças a guerra de preço, por US$ 1,2 bilhão a mais que sua oferta inicial.
A transparência como um fator relevante no M&A
Após a conclusão da transação o executivo da Marriot, Arne Sorenson, relatou ao The Wall Street Journal a respeito das questões envolvendo transparência nas negociações com a Anbang e a Marriott. Para ele, num processo de M&A, é importante que que exista transparência para ambos os lados, de maneira que a ausência de informações contribui para a desconfiança da outra parte, como no caso da Anbang relatado acima, impactando diretamente no sucesso do negócio.
Como parte da sua estratégia de M&A, apesar dos esforços a Starwood tentou mas não conseguiu entender as motivações da Anbang, de maneira que uma eventual concretização do negócio com eles era considerado de alto risco. Nessa mesma linha a Marriot, desde o início, deixou claro as suas motivações, se vendo obrigada a pagar um valor substancialmente maior dada concorrência de preços, mas saindo vencedora na negociação, concebendo a maior rede hoteleira do mundo.
Conclusão
O case de M&A da Starwood ilustra o lado negativo do resguardo inflexível dos objetivos e da falta de transparência por parte do buy-side como estratégia de M&A. Com essa estratégia é possível tentar obter uma vantagem mantendo o outro lado curioso e tentando adivinhar as motivações, mas isso pode acabar simplesmente confundindo todos os envolvidos e comprometendo o andamento da negociação.
Quando uma das partes deixa de revelar informações sobre seus objetivos e interesses perde a oportunidade de cruzar informações, impedindo a descoberta de sinergias importantes e que podem trazer ganhos significativos na transação.
Em outras palavras, quando o The New York Times perguntou ao Donald Trump durante a campanha presidencial de 2016 sobre os movimentos agressivos da China no Mar do Sul da China, ele respondeu:
Não quero dizer o que faria porque precisamos de imprevisibilidade, eu não gostaria que eles soubessem qual é o meu verdadeiro objetivo.
Não é segredo para ninguém o quão importante é manter algumas informações sob sigilo e confidencialidade, porém, é importante que haja abertura e clareza acerca dos interesses e motivações subjacentes ao deal em fases mais avançadas, a contraparte tende a apreciar a franqueza e provavelmente retribuirá. Com transparência é possível construir confiança e aumentar as chances de uma parceria bem sucedida de longo prazo.
Por: Rodrigo Bochenek